Uma amiga mandou para meu WhatsApp e estou compartilhando aqui no meu blog.
Escrito pela jornalista Ruth de Aquino.
Chorei, afinal é muito tocante essa leitura.
“Engole... Engole! É só água. Tua boca tá cheia d’água. Engole. Então cospe. Aqui, cospe. Cospe!
Ouvi de dentro de meu apartamento. Logo acima do play. Só poderia ser uma cuidadora de idoso ou uma babá de criança. Fui à varanda. Vi uma senhora numa cadeira de rodas, bem vestida e elegante, com um chapéu para proteger do sol. E a cuidadora uniformizada. Não havia agressão física. A cuidadora apenas dava ordens impacientes.
Pensei no que pode ter sido a vida daquela mulher. Cresceu, estudou, amou, trabalhou, teve filhos, viajou, discutiu, chorou, riu. Como todos nós, uns mais, outros menos. E agora estava ali, à mercê de alguém sem preparo e sem sensibilidade para perceber que ela não fazia de propósito. Simplesmente desaprendera ou não conseguia mais deglutir. Por falta de coordenação central e motora.
Pensei se eu gostaria de estar viva nas condições dessa senhora no playground. Não gostaria. Por autoestima, por amor próprio e para não dar trabalho aos outros. Não parece vida.
Uma saída para abreviar uma existência sem prazer, compreensão e autonomia é o testamento vital. Esse documento já é previsto em vários países, ainda não foi legislado no Brasil. Precisa ser assinado com testemunhas, enquanto estivermos ativos e conscientes. O testamento vital define os limites para tratar uma doença sem cura, uma demência irreversível. A ideia é não ficar refém de tubos, internações sem fim, dores agudas. Ou até da fria solidão. “Haverá outro modo de salvar-se? Senão o de criar as próprias realidades?”, escreveu Clarice Lispector.
Hoje, grande parte de minha geração tem pais muito idosos. Mais ou menos lúcidos. Mais ou menos dependentes. Com frequência, nas famílias, apenas um filho se responsabiliza de verdade pelo pai ou pela mãe, os outros são figurantes. Essa função nos obriga a tomar atitudes para as quais nunca nos preparamos. Não há curso nem manual. Somos testados em nossa generosidade e compaixão.
A primeira-ministra britânica Theresa May criou em janeiro o Ministério da Solidão para enfrentar “a epidemia oculta da sociedade moderna”: idosos que não têm ninguém ou, pior, que são ignorados por seus filhos. Não recebem visitas, não ganham presentes nem beijinhos. Irritam os filhos por dar trabalho, por ficar doentes, por não escutar direito, por esquecer, por desaprender de conversar ou até de deglutir. Os velhos percebem quando os filhos não desejam mais sua companhia. Uns se envergonham de pedir atenção. Outros protestam, carentes. E muitos desejam, nesse momento, morrer. Não conseguem engolir a solidão.
A psicóloga Ana Fraiman é dura com o egoísmo de filhos e netos convictos de que bastam algumas poucas visitas, rápidas e ocasionais, para ajudar no bem-estar dos mais velhos. Muitas vezes, “os abandonos e as distâncias não ocupam mais que algumas quadras ou quilômetros que podem ser vencidos em poucas horas.” Ana percebe que nasceu uma geração de pais órfãos de filhos vivos. “Pais órfãos que não se negam a prestar ajuda financeira. Pais mais velhos que sustentam os netos nas escolas e pagam viagens de estudo fora do país. Pais que lhes antecipam herança. Mas que não têm assento à vida familiar dos mais jovens, seus próprios filhos e netos, em razão, talvez, não diretamente de seu desinteresse, nem de sua falta de tempo, mas da crença de que seus pais se bastam”.
Uma providência para quem deseja morrer com dignidade é viver com dignidade. Uma das formas de viver com dignidade é amar quem se dedicou a nós. Demonstrar em pequenos gestos. Você já comprou um ovo de Páscoa para seu pai ou sua mãe neste domingo?”
(Ruth de Aquino é jornalista)
Obrigada pela visita, volte sempre.
Lendo o texto e refletindo sobre a minha família, meu pai teve câncer generalizado e recusou tratamento, como ele era alguém de personalidade forte todos aceitaram, foi apenas medicado para alivio da dor, isso a 25 anos, mas vejo que minhas irmãs não estão preparadas para aceitar, caso minha mãe deseje a mesma coisa. Além disso, também comento com minha filha que o "exemplo" que ela e suas primas tem é bom, pois as avós, tanto materna, quanto paterna são teimosas em nível hard e os filhos disputam para ficar próximos....rsrs
ResponderExcluirMuita Luz e Paz
Abraços
É isso Jô, hoje é proibido envelhecer-se em situação de dependência física e afetiva, sob pena de sofrer muito e ou causar transtornos para os seus. Hoje todos querem trabalhar e assim os seus ficam divididos e relaxam no quesito carinho, se bastam em colocar um cuidador ou internar numa casa especializada, o que é entendível por nós, que estamos de fora, mas para os idosos fica sempre como um abandono ou um estorvo na vida deles.É complexo e tenho visto muitos casos no condomínio que moro, muitos idosos desassistidos, uma pena amiga. Eu tenho comigo a ideia de não querer ficar velho demais a ponto da dependência, mas não temo controle nem de um segundo a frente. É um assunto mesmo complicado na atualidade à medida que aumenta a média de vida num país onde a miséria é grande e o descompromisso social enorme.E quando se está doente e idoso a coisa fica mais séria ainda e muitos ficam vegetando por anos e aí é muito sofrimento para todos.
ResponderExcluirUma situação delicada amiga e sua postagem é muito boa.
Uma semana boa para nós.
Beijo amiga.